Mais uma vez não sabia onde me encontrava. Não sabia quem eu era, não reconhecia nada à minha volta. Em todos os nove anos que havia vivido até então, era sempre assim.
Eu perdia tudo, andava sem rumo, perdia mais ainda, e repentinamente aparecia em algum lugar desconhecido, com pessoas desconhecidas, apenas pelo simples fato de não me importar com nada. A única coisa que eu precisava saber, que eu me importava, era em trucidar a raça de vermes que acabou com a minha vida.
Mas dessa vez foi diferente. Eu não estava no chão gelado, não estava suja de sangue, não sentia dor, nem raiva, nem nada. Eu simplesmente não sentia.
Estava em uma cama, coberta por um lençol branco. Havia se passado quatro anos desde que meus pais foram mortos por alguns vampiros, em uma cerimônia de pacificação entre membros da Associação de Caçadores e o Conselho de Vampiros. Não me lembrava de muita coisa desde então.
Não me responsabilizava pelos meus atos. Eu vivia simplesmente pelo prazer de matar aquela raça que tanto detestava. Mas alguns vestígios de memórias bem atuais atingiram minha mente no momento em que abri meus olhos.
A dor em meu corpo, a sede insuportável, o sabor do líquido vermelho e irresistível, a luz do sol ferindo meus olhos.. Um par de olhos azuis tão claros e intensos - que pareciam surreais - me fitando preocupadamente, um baque no chão, braços me carregando.. Eu, perto do pescoço indefeso de um menino que gentilmente me ajudava, o menino dono dos lindos olhos; senti-me tão tentada à mordê-lo, senti-me tão .. desumana.
Lembro-me fracamente de ter tocado o seu pescoço com meus lábios, mas parei nisso. Não queria me tornar aquilo que tanto odiava. Entramos em uma casa, uma voz feminina pergunta algo como "o que é isso?", e então, minha mente se desvai, não sei de mais nada.
Virei-me na cama e joguei o lençol para o lado, meu corpo ainda estava meio dormente, insensível. O quarto era desconhecido, a cama confortável, um travesseiro inútil. Eu não sentia necessidade de mordomia. Não sentia mais frio.. Era estranho não sentir nada. Lentamente, meus olhos foram se acostumando com a escuridão, e comecei a enxergar as coisas ainda mais a minha volta. Uma voz do outro lado da porta me chamou a atenção.. Prestei atenção no que dizia.
- É a menina da família Fumino. Tenho certeza. - A voz de uma mulher. Ela parecia ouvir algo, e
então respondeu. - Sim, cabelos castanhos claros, olhos negros. - Uma pausa. - Perto do rio das
Noites Caladas. - Pausa. - Sim, parece que sua avó faleceu há alguns meses e desde então ela estava desaparecida. - Outra pausa. - O que devo fazer? - Outra. - Ok, estarei lhe esperando.
A pessoa se foi dali. Sentei-me na cama e senti-me sem ar. Estava desesperada. Eles iriam me matar!
Sabiam que eu era .. um monstro.
- Eles não vão te matar.
Olhei para a esquerda, de onde ouvia a voz. Encostado na parede, o menino dos olhos azuis me observava. Eu podia sentir o seu cheiro com exatidão. Era o sangue de um caçador de vampiros, o mesmo cheiro que um dia eu tive..
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